sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

ANA MARIA BRAGA E A VERSÃO DO MORTO

Talvez não dê em nada, pois o morto, Marcelo Vieira, não poderá desfrutar de qualquer benefício material que possa se originar na ação civil que sua família moverá contra a apresentadora Ana Maria Braga e a Rede Globo; contudo, pode ser que a partir desse episódio, a separação do ex-capitão e Suzana Vieira, algumas constatações venham à tona e sirvam para mudar a agenda dos itens televisivos que levam “entretenimento” a milhões de brasileiros.
Traição, troca de marido e mulher em tempo recorde (sem trocadilho com a emissora concorrente) são temas banais e obrigatórios nas novelas da Rede Globo, e fora das novelas, entre os “artistas”, esse fato também é corriqueiro na maioria dos casos.
As revistas e sites de “celebridades” vivem à custa das fofocas envolvendo a vida pessoal das “estrelas”; vira e mexe um astro se mexe e se vira com outra que não seja sua atual mulher, trocando-a por outra como troca de camisa (e isso se aplica às mulheres com igual freqüência); porém, como diria o presidente Lula, nunca na história da Rede Globo um apresentador se utilizou do horário para chamar qualquer desses “astros” de vagabundo, mau-caráter e cafajeste, como fez Ana Maria Braga no seu “Mais Você”, do dia 24 de novembro passado, logo após vir a público a separação dos Vieira, Marcelo e Suzana. Culminando suas ofensas grossas e injustificáveis ao ex-capitão, Ana Maria Braga afirmou que seria um fato maravilhoso que ele sumisse da terra, um eufemismo peculiar aos que gostam de dizer a alguém: “morra!”
A primeira constatação a partir desse fato é que existe um sentimento de superioridade na classe artística, que leva alguns artistas a se sentirem de fato deuses em relação aos seres comuns. São uma classe especial, a cujo ego e excentricidades todos devem se sujeitar, aliás, cultuar, cultivar e financiar, à medida que são essas pessoas comuns que pagam o salário desses artistas cada vez que vão às compras adquirir os produtos que patrocinam as novelas e produtos televisivos idiotizantes. Somos idiotas à medida que gostamos de assistir, de nos entreter com programas que servem exatamente para esse fim, não adicionando à nossa leitura da realidade uma virgula, uma reticenciazinha sequer...
Como conseqüência dessa primeira constatação, a outra é que muitos artistas (e nessa categoria incluo os apresentadores de programa de auditório, programas matutinos, etc.) acham-se acima do bem e do mal, assumindo uma postura arrogante diante de determinadas situações, como se o fato de serem donos das manhãs, tardes e noites nas TVs atribuísse a eles a condição de juízes da consciência alheia, julgando e condenando em nome de milhões de estúpidos sentados nos sofás, tomando coca-cola e comendo sanduíches da Mac’Donald.
Uma outra constatação é que esses “astros” das tevês não admitem intrusos em seu meio, numa demonstração clássica do corporativismo de espécie. Como admitir que um ex-policial, um reles e mortal anônimo, que teve a sorte de se casar com uma deusa da televisão, tenha o despautério de se julgar no direito de se comportar como se fosse um artista? Sim, porque isso se deduz da indignação de Ana Maria Braga, adultério, traições e outros assuntos correlatos são exclusivos da classe artística. Quem é (era) esse Marcelo? Para Ana Maria Braga, um pilantra que se aproveitou da carência de uma ingênua artista, como a Suzana Vieira.
Que esse processo - eu espero que a família não desista de movê-lo, suscite, por menor que seja, a lição de que, ao contrário do que pensam os donos de TVs, aqueles que usam uma concessão pública para levar à população “qualidade e entretenimento” não estão acima do princípio básico de qualquer meio de comunicação: o respeito à pessoa humana, o direito à ampla defesa e ao contraditório, elementos absurdamente negados ao ex-capitão Marcelo Vieira, que, agora morto, jamais poderá contar aos brasileiros a sua versão dos fatos.”

UMA CARTA PARA NIETZSCHE

Sr. Nietzsche, quero lhe revelar que muitos dos meus desejos são reprimidos pelo medo. Ando me questionando se é próprio do homem sentir medo sempre que suas íntimas necessidades lhe impõem desafios grandiosos para encontrarem a satisfação. Diria o senhor que tal fraqueza é prova de que não sou um dos homens raros a quem dedicou sua obra mais polêmica? Já nasci póstumo? Ou como diria outrem, minhas esperanças já são pretéritas? Sou um cristão e devo estar consciente de como tais fraquezas me inibem o ímpeto, ao mesmo tempo em que não sei como frear os desejos que me sufocam a mente. Se fora um animal qualquer, sem razão e dominado por instintos, obviamente não teria a consciência dos meus desejos, nem o medo que os acompanha, caracterizando a ambos como elementos de cuja natureza jamais um pode prescindir do outro. A força da vontade, esse mister que faz do homem um ser nobre, em mim termina, ou melhor, perde vigor exatamente quando à iminência da satisfação o medo pela conseqüências atola os desejos em um abismo de lama moral, de virtude não inata, mas adquirida pela noção do perigo e pelo instinto de sobrevivência que transita no homem como percorre o vento os quatro cantos do mundo. Seria eu um doente como muitos de seus desafetos? E se não tivesse o mínimo pudor em julgar o coração humano como algo a que escapa o medo, a decepção por não atingir um alvo, a dor pela fuga de um bem que lhe estava próximo, um gozo que se lhe avizinhava? E se eu dissesse que o senhor, filósofo do tudo-é-possível-ao-homem, anda no limite extremo entre genialidade humilde e a loucura da soberba? Considero que por uma, há homens que jamais se submeterão aos encômios que sua superinteligência se gaba de receber de seres medíocres. Por outra, exatamente por reconhecer os limites da liberdade humana, forças intransponíveis que impedem a mente de viver em paz no paraíso da anomia, o prazer colossal que domina quem se rebela contra tudo o que cheire controle e prudência, há homens sublimes, dignos dos maiores elogios e de serem imitados pelas gerações futuras. Por não saber a que categoria pertenço, senhor filósofo, quero apenas dizer que à minha frágil alma humana a única certeza que chega e a de não poder realizar tudo o que deseja. Se alguém me convencer do contrário, então, Nietzsche, o senhor haverá ganho um admirador. Se não, permanecerei crendo que homens como Martinho Lutero, pertencente à classe dos teólogos -- desprezada pelo senhor, que declarou a morte de Deus --, estão corretos ao afirmar que nossa vontade é livre e inclinada a fazer sempre aquilo lhe apraz somente quando isso significar o desprezo ao outro. Que tragédia não poder viver absolutamente só no mundo, para satisfazer unicamente ao meu próprio desejo, sem nenhuma referência à piedade, à bondade, à ética que pressupõe o outro! É claro que eu posso dar cabo à minha existência, se dela quiser fugir. Posso também não mais atentar para nenhuma exigência social ou moral que minha presença física no mundo me impõe e viver em paz comigo mesmo, ainda que isso signifique a guerra com o resto dos homens. Eles que se danem, não é mesmo? Diga, Sr. Nietzsche, como é estar em um mundo no qual a própria definição de liberdade não encontra unanimidade? A sua liberdade lhe custou a razão, ou sua perturbação mental temporária decorreu de distúrbios neurológicos, sem que concorresse para sua loucura nenhuma de suas geniais e desafiadores conclusões sobre a natureza humana? Espero sua resposta. Há...mais que bobagem! O senhor está muito ocupado contando os dias que faltam para a redenção de sua alma, não é? Afinal, para grandes almas, como a sua, pequenos infernos não são suficientes. Espero que o hades para onde o senhor irá seja imenso, pois assim sua alma repousará em confortáveis, largas e eternas acomodações. Respeitosamente. Um ser inferior.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

CRÔNICA DE UM AMANTE QUE NÃO SABE DIZER EU TE AMO

Da ânsia de dizer de um modo original “eu te amo” nasceu timidamente o sentimento que agora sem nome eu carrego em mim. Não digo que seja amor, amizade talvez, desejo carnal puro, outra possibilidade. Lendo um conto do Guimarães Rosa, tocou-me um trecho que me inspirou profundamente: dizia ele em sua poesia majestosa que a rua, à noite alta, era banhada pela luz da lua a pratear o céu, enquanto um cachorro repetia, longe e com preguiça, em um latido vagabundo, um nome que não se podia identificar, como o sentimento que tenho agora. E tudo o mais, homens, mulheres, sonhos e amores, perdiam-se nas entranhas de uma vida apenas rascunhada na esperança do mundo.
Rascunho, silhueta, vislumbre, traços timidamente dispostos em vidas perdidas, destroçadas por desilusões e sonhos frustrados...Não vou fugir da simples estrutura que essa frase, eu te amo, contém: eu, antes, para sempre e desesperadamente tu...

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

PRECISO DE UM POEMA, FAÇA-O!

estou triste, seco, desavisado das coisas,
talvez porque muito do que é humano
interfere na pureza da vida,
e o que seria um natural acontecer
segue outro rumo, forjado, fraudado,
mostrando o quanto os sonhos
diluem-se no caldo da pequenez humana;
falar muito não dá conta de suprir a carência
de alegria nesses momentos de inquietude;
portanto, apelo que os poetas escrevam
como nunca antes e permitam que pessoas como eu
encontrem nas palavras o sentidoque
se perdeu nos abismos infinitos de nossa humanidade...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

POR UMA NOVA POESIA

a partir desse exato momento
decido não mais tentar ser profundo,
clássico, cartesiano, dialético ou metafísico
nas coisas a serem ditas poeticamente...
porque, de fato, as coisas mais simples,
as que preenchem a superficialidade da vida,
que causam menos angústia ou sofrimento,
e a nenhuma reflexão mais grave remetem,
são o que realmente, no fim de tudo, importam.
diga a alguém que rompeu em definitivo
com o único amor de sua vida
que ele precisa atentar para a desconstrução
dos conceitos tradicionais da filosofia
presente na filosofia de Jacques Derrida,
(tão importante para a existência dos homens
que ele próprio morreu sem entendê-la...)
e esse pobre coitado, sofredor e humano,
responderá, com toda a força de seu
quebrado coração de homem: “vá se ferrar
seu poeta de merda, filósofo de excrementos!”
com certeza, meu caros amigos poetas,
nessa hora em que a amargura da alma
parece vazar de cada poro do homem comum,
será prudente, para o bem de nossa própria existência,
que falemos do sorriso, do abraço, das flores,
da fumaça dos cigarros, do leve ruído causado
pelo encontro dos dentes no primeiro beijo
e do rubor na face da menina quando o rapaz
lhe propôs: “vamos fazer amor?”
e então, poetas do mundo,
vamos fazer do amor nossa matéria-prima?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

TU, MORTA EM MEUS BRAÇOS

o sonho que tive ontem
o olhar sobrepunha imagens,
visualizava um horizonte,
talvez um paraíso, onde mulheres nuas dançavam valsas
sob a luz da lua, e tu entre elas,
carregando um sorriso irônico,
como se quisesses dizer: no fim tem o preço!
que preço é esse?
quanto custa esse onírico prazer?
a visão de uma lúdica dança,
um corpo esguio, esquivo, suave, limpo,
dando-se às línguas, à minha, quem sabe,
sugado por lábios famintos,
sequiosos pelo líquido feminino,
e na dança o cheiro do sexo
atingia o nariz enfadado,
e percorria o corpo até chegar lá,
no espaço onde a dureza e a rudeza
do intumescido ser parece abdicar
da instância imediata que o torna
repugnante à alma feminina,
por sua essência metafórica
que o transforma em espada,
em ferrão, ferro e fogo,
capaz de subjugar seu habitat natural
com fúria e desprezo,
levando a vulva escancarada
a sentir-se um vilipêndio e um asco.
por isso tantas mulheres nos desprezam,
os homens, machos que bebem o sangue
de sua vítima, ébrios, insanos, déspotas.
e acordo do sonho
para ver se meu sangue ainda é azul
se no meio dessas ondas hepáticas
quando o cérebro vasculha teu sexo anis púrpura
de cólera infinita mulher que eras sempre
a mais divina das que dançavam em meu sonho
e descobri uma pureza falsa
agora quero ser a agulha que vaza teus olhos negros
para dentro de mim restar o vácuo
ou mais que isso: o éter inaugurado palco de amor
o gozo quase infantil diante da tua vulva escancarada
sob a rudeza de cores mortas em meu coração em brasas
é... senhora, que me vês acordado e desolado, quem te ama?
não serei teu, esse meninozinho inquieto
que descobriu a iimensidão do abismo
no vasto e insensato vazio que somos nós (homens).
quisera eu que o sonho desta noite,
continuasse em novos parâmetros,
talvez contigo em meus braços, morta,
rubra e alva, coberta de sangue e de esperma!

O PENSAMENTO FILOSÓFICO ENQUANTO SINÔNIMO DE COISA NENHUMA OU PORCARIA MESMO: A BUSCA PELA VERDADE

A mente é testemunha solitária dos conhecimentos que adquire (essa frase não é 100% original contudo serve para o propósito do texto), não tendo parceiros com os quais compartilhar suas dúvidas ou convicções. É como se a realidade tangível, por falsa, escondesse da razão sua verdadeira face, sob peles em camadas, cada qual mais espessa na medida em que aquela se aproxima do cerne essencial, da polpa verdadeira, obrigando a mente a despí-la mediante esforços grandiosos, deixando-se entrever a cada momento em uma tonalidade próxima daquela de que se reveste verdadeiramente, levando a razão a admitir que já conseguiu ultrapassar a última etapa antes do encontro desejado e final, quando o que quer mesmo é intimidar esse inimigo que se aproxima mais e mais daquilo que sua mais eficaz aliada, a aparência, não pode mais ocultar.

É somente quando a razão consegue vencer as enormes barreiras que se lhe opõem na busca pela verdade que esta se queda, mostra-se sem reservas ou subterfúgidos, dando-se em banquete, servida em taças de cristal, àquele que não cansou de esperar que a plenitude da luz do sol surgisse no horizonte, deduzindo-a a partir de quando os primeiros raios ousaram intimidar a escuridão.

A mente deseja toda a verdade, não apenas seus indícios. Quem se satisfaz com eles não pode ansiar nada além do medíocre, do mesquinho, visto que do sol não é a simples claridade que permite a vida ou a visão total dos elementos mas seus raios em plenitude. A verdade somente satisfaz a mente quando é apreendida em toda sua extensão, e o que quer que seja apreendido, não sendo em sua plenitude, é apenas impressão, podendo vir a se mostrar totalmente ou se ocultar para sempre tanto quanto as densas núvens venham a cobrir da vista o sol e no instante seguinte os olhos se entreguem à cegueira...

ENTRE UM FILÓSOFO E UM POETA, FIQUE COM ÚLTIMO!

quando penso no todo,
como um elemento totalizante,
que interfere na análise e compreensão
das partes que o compõem,
e, dessa forma, admitindo-as como são,
aceitando-as como se me apresentam,
ao final modifico minha compreensão do todo,
já que o exercício de interpretar a realidade
pela idéia geral que diz ser o real somente aquilo
que minha razão apreende e argüi,
tanto quanto o seu contrário, a falta de elementos racionais,
levam-me a concluir que a realidade está além
de qualquer compreensão,
dada que está em um movimento constante,
a cada fração de tempo sendo o que não era,
ou voltando a ser o que jamais tivera sido.
então, cercando-me de uma ilusória percepção,
admito que o mundo racional advoga uma análise
à parte daquilo que realmente em nosso espírito chega,
pois é impossível penetrar os objetos em sua natureza íntima,
para diagnosticar o que realmente são,
e visto que o que é inanimado nada comunica,
o que é irracional nenhuma resposta segura fornece,
o que está além de qualquer sentido
jamais chegará a ser alguma coisa,
e do nada nada se pode dizer,
admito que a única esperança para esse mundo
em que a ausência de sentido é o algoz das almas sensíveis,
são os poetas, mais que os filósofos,
pois estes tratam de explicar o que a razão não compreende,
ao passo que aqueles nomeiam e delimitam com segurança
toda a realidade apreendida pelos corações humanos,
cuja fonte de explicações excede
em altura, largura e profundidade qualquer tentativa
racional de dizer o que aflige a natureza humana.
portanto, viva os poetas!!!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A BARATA

a barata andava tonta atrás de um resto de comida
por isso não achou abrigo ontem à noite:
dormiu aos pés de seus algozes.
o sol já desperto no outro dia,
à mesa as migalhas soçobram
em cuspes que caíam em cascatas
havia muitos peidos e muitos arrotos
mas a barata, porque foi morta ao amanhecer,
perdeu tão glorioso banquete.
e dizemos serem as baratas bichos nojentos!

FLOR IMORTAL

o tempo é meu cruel torturador
e o teu olhar, seu irmão gêmeo,
nascidos ambos do útero da indiferença,
um atravessa-me proclamando que existes,
o outro vaza-me com fulminante desprezo.
para fugir deles, divido-me igualmente
em duas partes que se alternam
e se definem por antagônicas necessidades:
algo em mim te deseja adorar para sempre,
enquanto suplico que de fato inexistas.
essa é minha descontinuidade consciente,
pois sei que brota uma flor de fogo do teu seio,
porém a chama que me queima não é mortal
e é minha petição suprema que um dia morras por mim...
apesar de saber que as deusas nunca morrem!

O CIGARRO

penso em ti enquanto fumo:
a fumaça é de natureza difusa
e estou com tosse... não é tuberculose
o mal do século não era esse,
era a fuga do mundo em altos vôos etílicos e monóxidos.
sei que vou morrer só não sei se de câncer ou de tédio...
ainda penso em ti e vejo as cinzas;
na incerteza se o que me destrói
rapidamente é o amor ou o cigarro
cuspo no chão e os apago no escarro!

POEMAS AMBIENTAIS

I
olhares sujos contemplam a morte
e há sempre um fedor no meio do caminho
mas não são os pássaros que defecam nas cabeças;
é a cabeça do estúpido que lança seus restos mortais
sobre o percurso onde as flores antes copulavam
a única responsável pela merda em que se afunda o mundo!

II

o passarinho verde pia
o pombozinho branco arrulha
o homenzinho mau o baseado embrulha!
o papagaiozinho amarelo imita
a minhocazinha vermelha come terra
o homenzinho mau com a natureza ferra!
o peixe-boizinho ama o seco e o molhado
a largatixazinha verde come alface
o homenzinho mau vive num impasse:
se fumar eu morro e se deixar de fumar também
se o carro não poluir o ar o meu charuto o faz
ora, vão se ferrar e me deixem puxar em paz!

POEMAS SOMBRIOS

I
enquanto voam pedaços de carne
por entre estilhaços de chumbo
pelo mundo abundam lágrimas
que se extinguem no sangue jorrado
de vítimas imoladas em vão sacrifício:
a vida à morte...a morte à vida
ávidas pequenas ilusões evaporadas
e antes que o sol fugisse para fazer
nascer outro dia
o ocaso letal destruiu
o amanhã de nossas vidas!

II

a flor e o canhão se odeiam
pela angústia que mutuamente
se infligem ao co-existir naquilo que são:
vida e morte...
como um grito de dor lamenta
a serenidade do sorriso
e a sede deplora a ausência de água nos mares!
sendo permitido sonhar,
talvez da essência do mal
possa surgir um sêmen de bem
e na boca do canhão que anula o infinito
nasça uma flor-hecatombe
para cegar a visão dos que amam a morte...

O SUICÍDIO DE ORDÁLIA

Tua insistência no erro, Ordália, levou a indolência a prolongar teu martírio por meses, até que fugiste para o mar. Estás sentada olhando as ondas, visitada por escuros sonhos. Ontem, caminhando nas ruas tu não enxergavas outra coisa senão os olhos que te acusavam.

Ordália! Ordália! Teu nome é um abismo filosófico. Me inspira sentimentos cuja natureza assombra.

Como iniciar tua história trágica? Do fim. Do meio. Do começo. In média res?
Ordália traiu o marido. O marido a deixou por outras. Antes, matou os filhos e ficou com a fortuna dela. Que tesouros ela tinha? Que bens deixou no mundo?

Ordália! Ordália! Tenho receios incomunicáveis do teu fim. Tua alma em conflito aceitou a morte dos filhos sem uma lágrima sequer! Teu coração é estrada coberta de flagelos. Por ela já passaram sorrisos inocentes; mãos que se tocavam; braços que se estendiam e olhos que vislumbravam o fim do caminho.

Ordália!Ordália! Por que razões te corrompeste? Quantos orgasmos vale tua existência? Quantas margens formam o teu rio?
Estava a olhar Ordália o vai e vem das ondas, e imaginava-se um dejeto qualquer, sendo cuspido do mar à praia, e queria mesmo se materializar em um tanto de excremento para ser objeto de escárnio no julgamento implacável do olhar e olfato terceiros. Queria sumir, fugir, evaporar-se feito água sob o sol, e, contrariando o ciclo natural das coisas, não mais voltar ao estado inicial.

Queria morrer sob um estado de nada, de ausência, inexistente registro. Queria ser flor
esmagada por gigantescos pés. Olhava-se a si própria com olhos veementes, judiciosos, implacáveis. Pensava-se, das coisas criadas, a única que não merecia estar viva. Uma árvore, dizia a si mesma, alimenta, dá sombra e descanso a outros. Um rio dá seus peixes e suas águas. O sol, seu calor e luz que alimentam e sustentam a vida. Os animais seguem seu percurso sem importunar ninguém a menos que sejam importunados em sua ausência de razão.

Ordália! Ordália! Teus filhos eram felizes e teu marido te amava em desespero. Como te deixaste corromper tão desgraçadamente? Que bens entesouraste nessa negra alma que agora queres separar do corpo de teu prazer? Prazer. Eis a palavra-chave desse enigma. Teu marido viajava em busca do pão teu e dos filhos dele. Tu, antes de cuidar zelosamente pelo amor que ele te dedicava e pelo qual se lançava em brejos sem fim em busca de compradores, de maus pagadores e outros estranhos negócios, levavas teus pensamentos para o quarto separado de tua sala por fina parede. Ali, iludindo a esposa com juras de falso amor, teu vizinho sabia que tua indelével mocidade parecia mais viva do que aos teus dezoitos anos, quando vocês se beijaram pela primeira vez. Passados dez anos, oitos dos quais casada com esse agora infeliz marido, tal brasa pareceu reviver sua chama destruidora de todas as prudências e te deixaste consumir pela imagem que fazias do casal ao lado rompendo o silêncio da noite com gemidos de inexprimível prazer, falso de um lado, profundo de outro. E quiseste experimentá-lo, mesmo que isso custasse preço que jamais poderias pagar, mesmo que vivesses sete vidas de mil anos de solidão como purgação pelos pecados cometidos.

E assim Ordália permaneceu por instantes que se transformaram em minutos, que viraram horas, para deles nascer uma eternidade. Antes, porém, ela lembrou do último instante em que, mentalmente, experimentou a mais consistente impressão de felicidade, que geraria uma dor mais forte que a da morte. Foi quando os filhos, em tudo diferentes do pai, no parecer e no ser, fitaram os olhos da mãe, arregalados sob o pavor causado pela visão de uma afiadíssima lâmina a se aproximar de seus únicos amores. Aqueles olhos pediam socorro. Ela não pôde fazer nada. E antes de presenciar o apagar definitivo do brilho inocente no olhar dos filhos, Ordália ouviu a acusação fatal e a sentença irrevogável:

- Eu sabia, Ordália, que esses filhos não eram meus. Não poderiam ser porque, pelas minhas contas (e tu sabes que jamais erro em meus cálculos), as duas vezes em que engravidaste eu estava viajando. Sorte do homem que morava ao lado de nossa casa ter fugido. Tu porém pagarás com a vida essa traição, e esses teus filhos não merecem sofrer as desgraças da orfandade. Foi com o estrugir dessas palavras assassinas que Ordália despertou. Fugira do marido, mas não poderia fugir do mar. E ela despejou-se ali naquelas profundezas. Ela se fora. Dos vestígios de Ordália o mais duradouro não conseguiu resistir ao ir e vir das ondas. As marcas dos pés que afundaram na areia pelos instantes em que preparava Ordália a sua alma, apagaram-se para sempre. E para sempre Ordália será lembrada como a mulher em cujo coração havia sentimentos inconfessáveis, os quais perderam-se nas águas bravias e profundas do mar, como profundos e agitados foram os curtos anos de Ordália

O TRISTE CAMINHO SEM O BRILHO DAS ESTRELAS

Terna visão das estrelas... Nos sonhos eu te via assim. Muito próxima do primeiro momento quando nos conhecemos. Tinhas a teu favor o brilho da lua refletido no olhar, e nele, um amor tão sublime que jamais meu coração avaliou possível de um dia findar.

Na transição das coisas, na passagem dos estados de tudo o que existe, muita coisa vai ficando perdida do caminho. A matéria de nossas existências se revelou frágil, volátil, inconsistente diante daquilo que a desafia: as decepções. A doença que nos abate, minha querida, parece ser muito mais eficiente em suas estratégias de destruição que o remédio sugerido por nossas almas ingênuas: o perdão que aparentemente tem o poder infalível de fazer retornar o viço da confiança, o brilho do sorriso amigo, tornou-se, em nosso caso, falho, inútil, impossível de curar a dor de nossos corações.

E morremos a cada dia e hora e instante, sem que percebamos o quanto já exalamos cheiro insuportável a quem um dia sentiu fluir do lábio do outro um aroma de rosas...

EM HOMENAGEM AO ZÉ DAS FLORES

É sempre humano esperar que as coisas acabem bem. Não desejamos conscientemente a tragédia, o caos, as dores que fazem o sol lançar seu brilho para o lado oposto daquele onde inquietamente caminhamos e, por isso, às vezes tateamos no escuro, querendo tocar em algo familiar que nos permita deduzir que ainda estamos no mundo.

Os que abrem mão da estabilidade aparente que há no equilíbrio dos sentimentos e das palavras, e que, por essa causa, chamamos de loucos, tantas vezes conseguem encontrar um caminho, e nele permanecem até o fim, sem demonstrar desespero ou sofrimento quando as notícias trágicas chegam aos seus ouvidos. Talvez a causa de não haver angústia no íntimo dessas pessoas é porque na verdade elas não ouvem ou vêem as coisas do mesmo como nós as ouvimos e vemos.

Nesse ponto, cabe uma criteriosa análise do comportamento humano desviado, marginal, para chegarmos a um bom termo nessa longa jornada em busca da ausência de perturbação filosófica que julgamos existir no semblante dos loucos como produto de inexistir, de fato, algum sofrimento em seu alienado coração.

Muitos buscam a serenidade no mundo das artes. Foi assim que conheci um homem chamado Péricles, alcunhado de Zé das Flores porque suas telas traziam unicamente flores, rosas e afins.

Um pintor de qualidade razoável que jamais ganhou qualquer prêmio pelas suas obras. Todavia, julguei ser ele o elemento perfeito para a investigação que me dispus a realizar, porque, mesmo no ato de sua morte, Zé das Flores demonstrou uma tranqüilidade assombrosa, partindo deste mundo com um sorriso esboçado no rosto, como se quisesse dizer: “estou indo encontrar minhas flores...”

CREIO NA JUSTIÇA DOS HOMENS

Creio na justiça dos homens
Mesmo que não acredite que os homens sejam justos;
Creio na solidariedade humana,
Mesmo que em nome dessa solidariedade
Milhares de vidas tenham sido destruídas;
Creio que a paz é um clamor universal,
Ainda que a guerra e o ódio
Sejam o que os mandantes dos povos
Teimam em cultivar;
Creio na fraternidade,
Ainda que entre pessoas tão iguais
Haja tantas e inexplicáveis desigualdades;
Creio na liberdade entre os homens,
Ainda que, usurpando a do seu semelhante,
Os governantes escravizem à força muitos povos;
Creio que o mundo caminha para seu fim,
Ainda que, no dessa história,
Haja um novo começo para uma
Raça nova de homens e mulheres,
Que não sonharão com a igualdade
Pois não saberão o que é ser desigual...

A TERCEIRA MARGEM DA VIDA (IN MEMORIAN DO ROSA, O GUIMARÃES)

parece (aparenta) não ser importante o que os olhos vêem,
pois o sol, tão belo e profundo, não se permite ver
com a pureza possível de cada olhar...
basta-o ter como imaginação e metáfora
daquilo que, na ânsia de ser perene,
morre a cada dia e surge outra vez,
com a mesma forma e essência,
intangível, eterno e a cada instante se esvaindo:
cada um de nós, diluídos no devagar depressa do tempo,
como as curvas perfeitas de uma rosa singular!

FRASES DESCONEXAS DE UM POEMA COESO

tenho medo do vazio, onde nada existe,
ando muito inseguro, cambaleante, perdido,
minha cor predileta tornou-se triste,
o muro que me dava sombra amanheceu caído...
minhas mãos não têm mais o perfume antigo
de quando furtei rosas rubras pra te dar,
surgiu de repente um frio no umbigo
aquele medo chegou pra me buscar...
vou morrer cedo pois tarde é ilusão
um vôo incerto sobre a boca do vulcão!