sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

UMA CARTA PARA NIETZSCHE

Sr. Nietzsche, quero lhe revelar que muitos dos meus desejos são reprimidos pelo medo. Ando me questionando se é próprio do homem sentir medo sempre que suas íntimas necessidades lhe impõem desafios grandiosos para encontrarem a satisfação. Diria o senhor que tal fraqueza é prova de que não sou um dos homens raros a quem dedicou sua obra mais polêmica? Já nasci póstumo? Ou como diria outrem, minhas esperanças já são pretéritas? Sou um cristão e devo estar consciente de como tais fraquezas me inibem o ímpeto, ao mesmo tempo em que não sei como frear os desejos que me sufocam a mente. Se fora um animal qualquer, sem razão e dominado por instintos, obviamente não teria a consciência dos meus desejos, nem o medo que os acompanha, caracterizando a ambos como elementos de cuja natureza jamais um pode prescindir do outro. A força da vontade, esse mister que faz do homem um ser nobre, em mim termina, ou melhor, perde vigor exatamente quando à iminência da satisfação o medo pela conseqüências atola os desejos em um abismo de lama moral, de virtude não inata, mas adquirida pela noção do perigo e pelo instinto de sobrevivência que transita no homem como percorre o vento os quatro cantos do mundo. Seria eu um doente como muitos de seus desafetos? E se não tivesse o mínimo pudor em julgar o coração humano como algo a que escapa o medo, a decepção por não atingir um alvo, a dor pela fuga de um bem que lhe estava próximo, um gozo que se lhe avizinhava? E se eu dissesse que o senhor, filósofo do tudo-é-possível-ao-homem, anda no limite extremo entre genialidade humilde e a loucura da soberba? Considero que por uma, há homens que jamais se submeterão aos encômios que sua superinteligência se gaba de receber de seres medíocres. Por outra, exatamente por reconhecer os limites da liberdade humana, forças intransponíveis que impedem a mente de viver em paz no paraíso da anomia, o prazer colossal que domina quem se rebela contra tudo o que cheire controle e prudência, há homens sublimes, dignos dos maiores elogios e de serem imitados pelas gerações futuras. Por não saber a que categoria pertenço, senhor filósofo, quero apenas dizer que à minha frágil alma humana a única certeza que chega e a de não poder realizar tudo o que deseja. Se alguém me convencer do contrário, então, Nietzsche, o senhor haverá ganho um admirador. Se não, permanecerei crendo que homens como Martinho Lutero, pertencente à classe dos teólogos -- desprezada pelo senhor, que declarou a morte de Deus --, estão corretos ao afirmar que nossa vontade é livre e inclinada a fazer sempre aquilo lhe apraz somente quando isso significar o desprezo ao outro. Que tragédia não poder viver absolutamente só no mundo, para satisfazer unicamente ao meu próprio desejo, sem nenhuma referência à piedade, à bondade, à ética que pressupõe o outro! É claro que eu posso dar cabo à minha existência, se dela quiser fugir. Posso também não mais atentar para nenhuma exigência social ou moral que minha presença física no mundo me impõe e viver em paz comigo mesmo, ainda que isso signifique a guerra com o resto dos homens. Eles que se danem, não é mesmo? Diga, Sr. Nietzsche, como é estar em um mundo no qual a própria definição de liberdade não encontra unanimidade? A sua liberdade lhe custou a razão, ou sua perturbação mental temporária decorreu de distúrbios neurológicos, sem que concorresse para sua loucura nenhuma de suas geniais e desafiadores conclusões sobre a natureza humana? Espero sua resposta. Há...mais que bobagem! O senhor está muito ocupado contando os dias que faltam para a redenção de sua alma, não é? Afinal, para grandes almas, como a sua, pequenos infernos não são suficientes. Espero que o hades para onde o senhor irá seja imenso, pois assim sua alma repousará em confortáveis, largas e eternas acomodações. Respeitosamente. Um ser inferior.

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